Inovadora turbina de rio – energia hidroeléctrica em harmonia com a natureza
As energias renováveis em Portugal
Portugal, devido à não existência de reservas de produtos energéticos de origem fóssil, apenas produz 20% da energia primária que consome, sendo muito dependente das fontes energéticas exteriores. Desde 1995, ano em que terminou a extracção de carvão em Portugal, que a energia primária no nosso país é totalmente obtida a partir de fontes de energia renováveis. Daqui se pode facilmente concluir que as energias renováveis têm uma enorme e estratégica importância para a independência energética – e futuro ambiental – do País.
Portugal tem, no entanto, um enorme potencial em energias renováveis, devido à sua localização junto ao mar, à sua densa rede hidrográfica (ver fig. 1) e à sua elevada exposição solar média (a maior da Europa). Apesar da energia hidroeléctrica ser a energia renovável mais importante em Portugal (40% das renováveis), seguida da eólica (20%) e da biomassa/biogás/RSU (20%), tem ainda um enorme potencial de crescimento, pelas razões atrás enunciadas.
Energia hidroeléctrica: turbinas vs barragens
Apesar da energia hidroeléctrica ser, do ponto de vista ecológico, uma energia limpa, ela tem normalmente um grande impacto ambiental, devido às grandes estruturas transversais que implica, como barragens (ver fig. 2), que mudam o curso natural dos rios. Além disso, aquelas estruturas têm custos muito elevados, chegando – mesmo nos projectos mais pequenos – a 70% do custo total. Devido ao seu enorme impacto nos sistemas ecológicos e hidromorfológicos, é sempre difícil obter licenças para construir este tipo de estruturas.
Na utilização convencional da energia hidroeléctrica, a água é retida numa estrutura de armazenagem, num local o mais alto possível. A água só pode escoar-se a partir desse local. Depois, a energia da água que escoa dessa estrutura de armazenagem é utilizada para accionar uma turbina de água, que por sua vez acciona o veio de um gerador, seja directamente ou por meio de uma desmultiplicação, que converte a energia mecânica em energia eléctrica.
A utilização da energia cinética das correntes de rios foi uma forma tradicional de moer cereais, em simultâneo com a energia eólica (noras e moinhos de vento), mas tem sido gradualmente substituída, por questões de rentabilidade e comodidade, pelos sistemas que utilizam combustíveis fósseis.
Devido à sua grande experiência e conhecimentos técnicos na concepção e construção de bombas submersíveis – na ordem de vários milhares de bombas por ano – a KSB, fabricante Europeu de bombas e válvulas, resolveu investigar e desenvolver um equipamento que permitisse utilizar a energia hidroeléctrica sem afectar negativamente o ambiente.
Uma das principais vantagens das turbinas de rio, mas também uma preocupação e, em simultâneo, um objectivo desde o início do projecto, foi que a turbina não obrigasse a retirar ou desviar água do rio, como acontece nos habituais projectos hidroeléctricos que implicam estruturas transversais, reduzindo substancialmente o impacto ambiental sobre a fauna e população circundante, bem como o impacto visual sobre a paisagem.
Outros dois importantes objectivos ambientais definidos no início do projecto – não afectar a população piscícola nem limitar a passagem de barcos – foram também totalmente atingidos. O sistema tem um módulo de protecção que, mesmo quando os peixes passam através do sistema, não são afectados.
Conceitos e dificuldades das turbinas de rio
Normalmente as turbinas hidroeléctricas são classificadas em dois tipos: de eixo vertical, com eixo de rotação perpendicular à direcção do escoamento, ou axial, cujo eixo roda na direcção do escoamento. Enquanto as turbinas de eixo vertical são mais utilizadas em situações em que existem mudanças no sentido do escoamento, como é o caso das marés, recorre-se às axiais nos casos em que o sentido do escoamento é constante, caso dos rios (ver fig. 3).
A potência disponível (Pd), em Watts, num leito de um rio pode ser calculada através da seguinte fórmula:
Pd = ½ x Ce x ρ x A x V3, onde
A = área, em m2
ρ = densidade da água, 1.000 kg/m3
V = velocidade da água, em m/s
Ce = coeficiente energético = aprox. 0,6
O coeficiente energético representa o máximo rendimento teórico que é possível retirar de um rio, mas as turbinas pequenas, como é o caso, têm normalmente perdas de eficiência relevantes, que podem reduzir este coeficiente para cerca de 25%. Outro aspecto relevante desta equação é o facto de a potência aumentar ao cubo da velocidade do escoamento, pelo que é fundamental encontrar rios com velocidades elevadas. No entanto, as velocidades elevadas implicam maior dificuldade em fixar a turbina, um dos grandes desafios técnicos destes sistemas.
Outra grande dificuldade que as turbinas de rio colocam é impedir que sejam atingidas por detritos de grande dimensão, como troncos ou árvores que tenham caído ao rio, pois podem danificar a turbina de forma grave e implicar grandes custos. A KSB resolveu este problema através de um inovador sistema, que protege a turbina sem impedir a passagem dos barcos.
A turbina de rio da KSB
Existem inúmeras aplicações onde as leis da física proíbem que o fluido bombeado seja aspirado através de tubagens longas, como por exemplo no caso de furos profundos ou se o fluido for água residual com elevado conteúdo de sólidos. Nestes e noutros casos semelhantes, a melhor solução é submergir a bomba e o motor. Só assim podemos ter a certeza que a bomba terá sempre uma alimentação suficiente do fluido que tem de bombear. No entanto, também implica que o motor eléctrico e os cabos têm de ser estanques e conseguem manter-se submersos durante muitos anos, de forma fiável.
A solução óbvia foi utilizar este tipo de construção como base para desenvolver uma turbina de rio, de tipo axial (ver fig.4), que poderia produzir energia enquanto se mantinha invisível, fixada ao leito do rio. Se o escoamento entra no impulsor ou propulsor da bomba pelo lado inverso ao habitual, ele vai começar a rodar e a bomba transforma-se numa turbina. Se o motor for depois utilizado como gerador, a bomba produz electricidade. Naturalmente que não é qualquer bomba nem qualquer motor que podem ser utilizados para produzir electricidade no leito de um rio, mas o grande desafio da KSB era encontrar a bomba que produzisse a máxima electricidade possível, ou seja, maximizar o rendimento.
Este desafio implicou muitos e complexos ensaios, em modelos instalados num canal, de modo a encontrar a forma exterior ideal para a turbina de rio. Para garantir que o sistema ficaria acessível para inspecções e manutenção, e que não impediria a passagem de barcos, foi necessário desenvolver um mecanismo especial de ancoragem ao leito do rio. E a entrada da turbina teve de ser desenhada de forma a que os peixes e os detritos não pudessem entrar.
Para permitir que a turbina de rio converta a energia hídrica em eléctrica, a turbina fica ancorada ao leito do rio na direcção do escoamento. A água que atravessa o sistema provoca o movimento de rotação do propulsor, o qual acciona o gerador, sendo a energia eléctrica resultante canalizada para a rede pública de abastecimento.
Da teoria à prática
Os primeiros dois protótipos foram fixados no leito do rio Reno, perto da cidade de St. Goar, prontos para longos ensaios em condições reais.
Este projecto esteve durante um ano em fase de testes, incluindo a medição regular do rendimento dos vários componentes a diferentes níveis de água. Como tudo correu bem e as máquinas funcionaram com bons rendimentos, a KSB começou recentemente a produção destes geradores de energia.
Um exemplo concreto aconteceu na cidade Jinja, no Uganda, país onde apenas 5% das casas localizadas nas zonas rurais possuem electricidade. Integrado num protocolo de cooperação da Associação Alemã para a Cooperação Internacional, a KSB forneceu uma turbina de rio para permitir a electrificação de várias aldeias perto daquela cidade. A turbina em questão, de tamanho relativamente pequeno (ver fig. 6), consegue produzir energia para cerca de 2.000 habitantes.
Como este sistema é economicamente rentável, como a fiabilidade da disponibilidade da “matéria-prima” é elevada e como tem um reduzido impacto ambiental e baixas necessidades de manutenção, tem todas as condições para ajudar a combater as dificuldades de abastecimento energético em zonas rurais, em todo o mundo, um dos objectivos de responsabilidade social da KSB.
João Leite / Director Geral