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Bombas como turbinas

As bombas centrífugas podem ser utilizadas como turbinas sem que haja necessidade de efectuar alterações ao seu impulsor e voluta, facto sobejamente conhecido e vulgarmente falado, em aulas e formações que envolvam máquinas hidráulicas, pelo menos em termos teóricos. Pode até ser discutido que é uma aplicação corrente em instalações industriais ou de produção de energia, mas e no abastecimento de água? 

Aplicação no abastecimento de água 

Existem muitas aplicações onde se poderiam utilizar turbinas para produzir energia mas, devido ao elevado custo deste tipo de equipamento e ao menor potencial hidráulico disponível, é normal chegar-se à conclusão que o investimento não compensa. É nestas situações que as bombas centrífugas entram na equação: não apresentam rendimentos tão espectaculares como uma verdadeira turbina, mas o seu custo é imensamente mais reduzido, e são igualmente capazes de produzir energia facilmente utilizável. 

A solução mais comum é o acoplamento da bomba a um gerador para produzir energia eléctrica, mas podemos aproveitar o binário disponível no veio (ver fig. 1) para accionar qualquer outra máquina.

Fig. 1: Curvas características das bombas, como bombas e como turbinas.

Há áreas geográficas que durante longos períodos de seca vêem as suas reservas de água à superfície drasticamente reduzidas, apesar dos leitos subterrâneos continuarem a possuir caudais consideráveis, devido à grande quantidade de cavidades que funcionam como enormes reservatórios. 

O caso de Java 

Este foi um caso com que uma equipa da KSB se deparou na ilha de Java, Indonésia, e levou ao início de um projecto que visou encontrar uma forma economicamente viável de aproveitar estes cursos de água subterrâneos para abastecimento às populações. 

Para que tal seja possível, é necessário encontrar pelo menos um ponto estratégico na rede subterrânea onde se possa criar uma instalação. Deve haver suficiente energia potencial disponível para accionar uma segunda bomba, que consiga elevar parte da água desse leito para um depósito à superfície. 

Foi encontrada, a 100 metros de profundidade, uma gruta com espaço suficiente para albergar uma estação de bombagem. Para aproveitar o caudal e o desnível disponível, considerou-se a possibilidade de instalar uma bomba a funcionar como turbina. Como o espaço era insuficiente para instalar geradores e outros equipamentos, as turbinas accionam directamente bombas de alta pressão, as quais abastecem o reservatório à superfície, como ilustrado na figura 2.

Fig. 2: Esquema da instalação na ilha de Java.

Uma análise detalhada ao local revelou um desnível disponível de cerca de 15 metros e caudais que ao longo do ano variam entre 1 e 4 metros cúbicos por segundo. 

Estimativa do potencial hidráulico 

Para que o conjunto bomba-turbina funcione correctamente é necessário que as potências ao veio da bomba e da bomba-turbina sejam iguais, uma vez que neste caso ambas estão directa e rigidamente acopladas a uma caixa de velocidades (ver fig. 4). Se a bomba-turbina não tiver potência suficiente, a bomba de alta pressão não será capaz de elevar o fluido. Ou, se pelo contrário tiver demasiada potência, haverá desperdício de energia ou sobrecarrega da bomba. 

Assim, desprezando as perdas nos acoplamentos e caixa de velocidades, o balanço de energia será

A altura disponível na turbina, Ht, é de 15 metros e a altura manométrica de projecto para a bomba, Hb, é de 190 metros. Assumindo que os rendimentos para a turbina e bomba são 80% e 75%, respectivamente, conseguiremos elevar para o depósito, por cada m3 que atravessa a turbina, 48 litros:

Este sistema poderá fornecer, a cada um dos 30.000 habitantes da área, 140 litros de água por dia o que, comparando com os 10 litros normalmente disponíveis quando as reservas de água descem durante os períodos de seca, é uma melhoria muito significativa. Outra grande vantagem deste projecto foi o facto da água captada a grande profundidade ser de melhor qualidade, face à que é normalmente armazenada em bacias ou cisternas durante longos períodos.

Fig. 3: Vista tridimensional da estação de bombagem

Características do módulo “bomba-turbina” 

O módulo bomba-turbina concebido para este projecto incorpora uma bomba a funcionar como turbina, uma caixa de velocidade e uma bomba de alta pressão, sendo estes equipamentos montados numa base comum (ver fig. 4). 


Fig. 4: Módulo incluindo bomba-turbina, caixa de velocidade e bomba de alta pressão

Um dos objectivos do projecto era que fosse utilizada a tecnologia mais simples e de fácil manutenção possível, devido às limitações locais, o que implicou a utilização de equipamentos standard. O módulo é composto por: 

1) Bomba normalizada Etanorm R 300-340, de impulsor semi-axial, como turbina. Para os 15 metros disponíveis “absorve” 375 l/s de caudal. Consegue produzir 45 kW de potência ao veio, com uma eficiência de 81%, à velocidade de rotação de 1.200 rpm. 

2) Caixa de velocidades, com uma relação de 1:1,83. 

3) Bomba de alta pressão Multitec D 65, com 9 andares de compressão. No seu ponto nominal, a 2.200 rpm, é capaz de elevar 17 l/s a 190 m, onde se encontra o depósito.

Este módulo foi testado no banco de ensaios da KSB tendo revelado capacidade para cumprir as necessidades de débito ao longo dos diferentes pontos de funcionamento, em função do caudal e da altura disponíveis na turbina. 

Um dos aspectos negativos de utilizar bombas é que, ao contrário de uma turbina Francis ou Kaplan, não possuem pás ajustáveis, de modo a adaptar a velocidade de entrada do fluido às pás do impulsor, em função do caudal disponível. Este factor obrigou à instalação de dois módulos de dimensões mais reduzidas, que garantem caudais mínimos de abastecimento. 

Conclusão 

Frequentemente, e normalmente associado a novas formas de produção de energia, as equipas de projecto expressam o desejo de utilizar bombas centrífugas comuns como turbinas. O facto de serem muito mais económicas faz com que esta seja, realmente, uma solução a ter em conta, especialmente em pequenas instalações, onde se tornaria extremamente dispendioso adquirir uma turbina desenhada especificamente. 

Contudo, a falta de pás ajustáveis faz com que seja difícil adaptar estas bombas a condições de funcionamento que sofram grandes oscilações. Neste projecto em particular, a solução consistiu em distribuir o caudal total por cinco módulos, em paralelo, cuja combinação permite adaptar o funcionamento da estação de bombagem ao caudal disponível. As bombas têm ainda a grande vantagem de serem muito mais fáceis de utilizar e manter do que as turbinas. 

Nuno Aleixo / Resp. Dept. Ambiente